Vale do Pati é o ´Caminho de Santiago´ tupiniquim
Trilha das mais conhecidas no circuito do trekking nacional, na Chapada Diamantina, a trilha do Vale do Pati é um mergulho de seis dias no sertão da Bahia.
Apresentação

Trilha das mais conhecidas no circuito do trekking nacional, na Chapada Diamantina, a trilha do Vale do Pati é um mergulho de seis dias no sertão da Bahia. Saindo do Vale do Capão pela Vila do Bomba e `camelando` até Andaraí, são aproximadamente 80km conforme a própria placa do parque assinala. È uma trilha radical que exige muito preparo e resistência.
O caminho serpenteia pela Serra do Sincorá, por altitudes que oscilam entre 400 e 1.400m. Atravessa campos de altitude e sobe e desce os vales dos rios Ancorados e Lapinha. Durante a travessia, existem caminhadas com piques de 20 km diários por subidas e descidas muito íngremes.
Qualquer vacilo é fatal. Não é por acaso que uma das trilhas do caminho leva o sugestivo nome de `Rala Bunda`. É uma trilha ótima para você pensar na vida e colocar as idéias no lugar, além de deixar o corpo bastante em forma.
Não existe pneuzinho ou gordurinha localizada que fique impune depois de uma aventura pelo Vale do Pati. Mesmo com a farta comida caseira regional servida nos `pousos` do meio do caminho.
Esta é outra característica muito legal do roteiro: o fato de ficar hospedado e fazer as refeições em casa de moradores locais. Na região vivem cerca de 30 famílias que ainda plantam seu roçadinho e tiram alguns trocados com o ecoturismo.
A sensação de isolamento experimentada por quem está na trilha é impressionante. Apesar da proximidade de Lençóis e Andaraí, a gente passa seis dias isolados do mundo. Durante o caminho todo não existe energia elétrica, nem TV, nem rádio. Também não passa nenhum veículo para fazer fumaça e barulho. A diversão do povo depois da janta é jogar dominó debaixo do lampião.
Do ponto de vista físico, é uma trilha para se fazer com um pé atrás. As longas subidas e, principalmente, descidas, exigem muito das articulações. Joelhos problemáticos ou sensíveis tendem a não agüentar a barra.
Todo esse isolamento e dificuldades só devem entusiasmar o turista que curte trilhas, pois acaba conservando muito bem uma das paisagens mais impressionantes da Chapada Diamantina e seu exuberante patrimônio natural.
Além disso, é uma trilha de considerável grau de desgaste físico.Uma semana no Vale do Pati vale por várias semanas daquelas dietas malucas feitas nos SPAS das grandes cidades.E a experiência vivida nesses seis dias de trilha não tem preço.
Primeiro dia

Na verdade, o pacote começa com uma escalada de dia inteiro na Cachoeira da Fumaça. Como essa era minha terceira semana na Chapada Diamantina, preferi não acompanhar meu grupo, pois já tinha estado na Fumaça por duas vezes.
Aproveitei então para passear em Palmeiras, a 20 km de Lençóis, pegando carona no jipe da `Venturas` que tinha consulta marcada com o mecânico por lá. O engraçado é que a cidade é um dos 58 municípios existentes em torno da Chapada e parece não estar nem aí para o ecoturismo. Vive mais como `cidade de apoio` de Lençóis. Não há muito o que fazer por lá.

No meio da tarde, lá pelas duas, já estava de volta ao Vale do Capão, onde a aventura começaria. Antes de pegar meus companheiros na descida da Fumaça, deu tempo de comer uns pastéis de palmito de jaca e dar umas voltas pelo Vale, que tem uma vista deslumbrante.
Quando a turma apareceu, descobri quem eram nossos guias: o ex-Krishna Haribô e o já conhecido Piaba. Nossa bagagem seguiria no lombo da mula `Bonita`. Dizem que o único cara que as mulas respeitam é o Piaba. Precisa ver como eles se entendem!
Quando o jipe encostou na cabana em que dormiríamos, na Vila do Bomba, havia uma Lua enorme perto da serra ainda com o Sol alto no céu.
Depois que todo mundo instalou as tralhas, descobrimos que a partir dali só ia rolar banho frio. O jeito foi se acostumar com a idéia e entrar no clima. Na cabana também só tinha a luz de um lampião, aliás, como em todo os lugares por ali.
O céu estava todo estrelado e por causa da Lua nem precisei da lanterna para ir jantar na casa de uma família vizinha. O cardápio era o clássico da Chapada: feijão tropeiro, arroz, palma cozida, carne seca, godó de banana, suco de maracujá, muita pimenta e muita conversa fiada. Voltamos para a cabana e fomos dormir. Ventou muito a noite inteira.
Segundo dia

O dia começou cedo, antes das oito já estávamos saindo só com uma mochila de ataque. O primeiro dia foi bastante puxado. Andamos cerca de 20 km entre subidas e descidas bem íngremes. São 10 km até os campos dos Gerais do Vieira, subindo 400 metros pela encosta do Morro Branco.
Lá de cima já se consegue ver o Ancorado lá no fundo dos Gerais, a 11 km de distância. Durante umas quatro horas andamos pelos campos com a sensação de que o Ancorado não chega nunca. Há pouca sombra nos Gerais, transformados em grandes pastagens. Fizemos nosso lanche lá pela uma hora da tarde, com um sol de rachar taquara na cabeça.
Com o bucho cheio, tocamos nosso burro, descendo por uma trilha do lado direito do Ancorado. Ainda tínhamos que andar outros 10 km na antiga estrada aberta pelos tropeiros na época do garimpo. O piso é de terra bem aplainada, mas o caminho é muuuiiito íngreme. Em alguns trechos é preciso andar em zigue-zague.
Para chegar até a estrada, descemos com muito cuidado a encosta do `Rala Bunda`. Só no final da tarde chegamos na casa do `seu` Wilson, no sopé do Morro do Castelo. Sentados na soleira da casa, assistimos a um incrível pôr-do-sol enquanto `seu` Eduardo castigava o ar com os acordes dissonantes de uma sanfona velha.
A casa do `seu` Wilson é um `pouso` oficial da trilha. Tem vários dormitórios grandes, simples, limpos e com uma cama muito convidativa depois de um dia de exercícios tão puxados. Todos os cômodos tinham umas plaquinhas escritas à mão lembrando o turista para `não consumir drogas`, `não andar sem roupa` e até `não pentear os cabelos na cozinha`.
O banho frio também foi quase no escuro porque o vento ficava assoprando a vela acesa no banheiro. Depois da janta, todo mundo ficou conversando na entrada, vendo as estrelas. O sono bateu cedo e foi todo mundo pra cama: meninas de um lado e meninos do outro.
Terceiro dia
Comemos muita banana no café da manhã para não sentir cãibras e fomos conhecer algumas cachoeiras próximas. A trilha é percorrida no leito do riacho, caminhando pelas pedras. Uma hora depois aparece a primeira: uma cachoeira onde no passado funcionava um moinho.
Subindo mais o leito do riacho fomos parar na Cachoeira do Funil. O Funil é um conjunto de 3 quedas de água que acabam num poço gostoso para uns mergulhos. Os 3 lances somados alcançam uma altura de 70 metros. Vista de cima, é muito bonita com as quedas formando degraus. Lá em baixo, no poço, também existem umas pedras legais para ficar tomando sol.
Seguindo em frente está a Cachoeira da Don´Ana, uma super ducha natural bem grande. Com uns 30 metros de largura por uns vinte de altura, a cachoeira é uma longa parede de pedra com uma espécie de banco pra gente se sentar e tomar uma ducha gelada.
Ficamos nessa `vida dura` a manhã toda. Só voltamos para o `seu` Wilson perto da hora do almoço, quando acabei ganhando uma aposta com o guia Haribô. Ele prometeu uma caixa de bombons para quem adivinhasse o que era um daqueles pratos que a gente iria comer.
Com minha experiência de três semanas na Chapada foi fácil. Dei uma olhadinha e matei na hora: `palmito de jaca`. O Haribô ficou até meio chateado, pois nunca esperou que alguém adivinhasse...
Depois do rango e de um descanso gostoso na cama, juntamos forças para escalar o Morro do Castelo, que fica bem na frente da casa do `seu` Wilson e do chão parece alto pra chuchu. A idéia era passar a noite lá em cima, acampados na Gruta dos Morcegos.
A subida não é mole, ainda mais depois do almoço e com aquele solão na cabeça. Chegamos ao topo depois de umas duas horas, já no final da tarde. Deixamos as coisas na entrada da gruta e fomos ver o entardecer do outro lado do vale. Para isso, tivemos que atravessar a gruta por dentro, escalando montes de pedra só com a luz da lanterna.
Um caminho do outro lado da gruta leva até uma pedra bem grande pendurada na montanha, com uma vista única do Vale do Pati. Ficamos lá até a noite cair e cobrir de estrelas aquele céu maravilhoso.
Eram quase oito horas quando voltamos para o acampamento. Depois de ajudar o Piaba a pegar água na bica que existe dentro da gruta, cada um arranjou um canto para deitar e esperar o jantar que o Haribô iria fazer: macarrão com tempero indiano. Olha, juro que não era a fome de leão que eu estava sentindo, mas o macarrão do cara é bom mesmo. Aliás, Haribô é famoso na cozinha lá na Chapada.
Antes de dormir, colocamos a comida pendurada em cordas para ficar a salvo dos Rabudos e outros roedores do pedaço. Simplesmente apagamos, enfiados até o nariz no saco de dormir e com um vento frio soprando forte. Todo mundo roncou muito de noite. Inclusive as meninas.
Quarto dia

Acordamos naturalmente com a luz do dia. A neblina cobria toda a paisagem ao redor. Enquanto esperávamos ela baixar, tomamos nosso café da manhã. Lá pelas 8 da manhã a bruma cedeu e só então começamos a descer de volta para a casa do `seu` Wilson, lá embaixo no vale.
Apesar dos joelhos sentirem mais o esforço, a descida foi bem mais rápida que a subida. Lá pelo meio dia já estávamos no `seu` Wilson tomando um banho frio e arrumando a mochila para seguir em frente. Nossa meta era continuar descendo a antiga estrada dos tropeiros para chegarmos ao nosso terceiro pouso, distante uns 10km: a casa do `seu` Mansur.
Depois de uma boa andada, que demorou `uma volta de relógio grande`, chegamos até um lugar conhecido como `Prefeitura`, uma área de camping na beira do riacho que desce lá do Cachoeirão, uma das grandes atrações da trilha.
Atravessamos o riacho pisando sobre muitas pedras que existem no leito. Na outra margem, paramos para tirar fotos e curtir a paisagem. Bem na nossa frente estava a Muralha, um morro muito alto que parece impossível de escalar por causa das paredes quase retas.
Tomamos fôlego para continuar a jornada. Quando chegamos na casa do `seu` Mansur, faltava um cisco para anoitecer. Tinha um monte de parentes dele por lá: filhos, cunhadas, netos...São todos vizinhos.
A casa tinha umas coisas curiosas. Por exemplo, os cômodos eram desprovidos de janelas. Dão uma estranha sensação de abafamento. E as cadeiras e mesas eram todas bambas. Pareciam de balanço.
A janta foi a clássica: godó de banana, carne seca, feijão tropeiro, etc. Depois da goiabada com queijo, fui dormir enquanto a meninada jogava dominó numa mesa bamba da sala. Bom, tentei dormir pelo menos. Uma revoada de pernilongos maltratou todo mundo a noite inteira. E olha que as camas tinham mosquiteiro...Nunca vi tanto pernilongo junto, parecia até praga do Egito.
Quinto dia

Nunca fiquei tão feliz por acordar cedinho como naquela casa. Assim que o sol nasceu, pulei da cama. Esse era o dia todinho dedicado ao Cachoeirão, um lugar mágico que parece aquelas florestas do `Senhor dos Anéis`.
Tivemos que voltar até a Prefeitura para pegar a trilha do Cachoeirão. A primeira parte é feita na mata. Depois o caminho fica mais difícil e serpenteia pelas enormes pedras do leito do riacho que desce a montanha. Chegamos lá depois de umas 2 horas de banhos e caminhada.
É um lugar incrível! Um vale circular cercado por paredes muito altas de pedra onde, quando chove muito, chegam a se formar 17 quedas d´água. Ficando bem quietinho dá pra ouvir os berros do macaco barbado ou o pio angustiante das arapongas.
A queda principal é uma miniatura da Cachoeira da Fumaça e tem 220m de altura. Ao lado existe a Escondida, de onde a água cai como uma renda, como fumaça de gelo seco escorrendo lá de cima por um paredão todinho forrado de musgos verdes.
Mais para baixo, outra cachoeira escorre por umas pedras que tem o desenho de um casco de tartaruga e cores malucas como bronze, amarelo, laranja. Nunca vi nada igual. O chato foi que, apesar de todas aquelas cachoeiras, não tinha nenhum lugar onde se pudesse tomar uma bela ducha gelada.
Só saímos daquele lugar mágico no meio da tarde. Voltamos ao `seu` Mansur, onde chegamos no finalzinho da tarde para jantar e sermos jantados novamente pelos pernilongos. Nessa noite nem tinha o que pensar: dormiríamos logo depois da janta para acordar as quatro da matina e cumprir a parte final da trilha até Andaraí.
Sexto dia

Nunca fiquei tão feliz em acordar cedo. Os pernilongos estavam com uma fome de leão. Ainda estava escuro quando saímos. A casa era no alto de um morro. Tivemos que descer até o riacho para alcançar a Ladeira do Império, outro antigo caminho de tropeiros.
Foi por essa trilha, toda calçada de pedras e composta de inúmeros degraus que alcançamos o topo da serra, 400 metros acima. É uma trilha linda, mas deixa qualquer um de perna bamba. E olha que nossas mochilas estavam no lombo da mula. Fiquei pensando como seria subir aquilo com peso nas costas.
O Haribô ficou zoando comigo dizendo que eu tinha que subir porque lá em cima ia rolar uma surpresa. Com esse incentivo todo juntei as forças e acelerei o pique. Cheguei lá com a roupa pingando de suor, mas valeu a pena: lá de cima a gente tem uma vista muito linda do Morro Branco e do Cachoeirão. Mais alguns metros e já podíamos avistar, ao longe, nosso objetivo final: Andaraí.
Foram quase 20km de descida pelo vale, em terreno firme, com vegetação rasteira, fácil de andar. Na hora do lanche de trilha a surpresa foi revelada. Haribô fez a entrega solene do meu prêmio: uma caixa dos ótimos bombons Garoto. Detonamos a caixa em cinco minutos com a desculpa de nos abastecer de energia.
Depois continuamos a descida atravessando extensas áreas exploradas pelo garimpo. Chegamos em Andaraí perto do meio dia e fomos direto para a sorveteria Apolo matar o calor com casquinhas deliciosas de frutas como serigüela, tamarindo, maracujá, goiaba e mais de uma dezena de sabores.
A trilha tinha chegado ao fim. Ainda íamos passar a noite na vizinha Xique-Xique de Igatú, para voltar a São Paulo no dia seguinte.
Dicas do autor

Leve o mínimo de bagagem possível. E uma boa mochila de ataque que é, na verdade, a mochila que você vai usar o tempo inteiro. Lanterna e cantil são muito importantes. Não os esqueça! Roupas daquele tecido inteligente que `respira` são ideais se você costumar suar muito.
Leve pouco dinheiro, pois não há onde gastar. Chaves, talão de cheques, documentos, celulares e todo esse `lixo` urbano não têm a menor serventia por lá e só fazem peso. Deixe tudo no hotel em Lençóis.
Alguma coisa contra pernilongos também será útil na casa do `seu` Mansur. Tome muito cuidado com o esforço feito pelos joelhos para não acabar a trilha no lombo de uma mula!
Publicado por Equipe EcoViagem em

Ludmila OC

José Adriano

Juliana Rodrigues

Sergio Escobar

Thatiana
Em que mês dos ano vc foi?
Abraço!

Equipe EcoViagem

Jai
Um abraço

HEIZI
Valeu

Marcus Vinicius

Jocelene

Giovani

PAULA SOARES SANTANA

Jainar Cris
Mas adorei as dicas vlw...até...
ADRIANO